Jardim

Assim que cheguei a casa fui até ao meu quarto para deixar lá a minha mala e abri o baú que tinha ao fundo da cama. Era a única coisa que tinha da casa onde vivia com os meus pais, antes de eles terem sido mortos pelos vampiros e a Sophia me ter trazido. Tirei de lá dentro o meu livro de sombras, um calhamaço gigante que já vinha da mais velha geração de Harvelle's e caminhei até ao jardim, sentando-me no banquinho do mesmo com o livro no meu colo. Comecei a folhear as páginas sem saber muito bem do que estava à procura mas não me importei. Gostava de ver os feitiços e a história que estava escrita ali. Além de ser a bruxa mais poderosa de todos os tempos, era uma rapariga que como era óbvio, gostava de saber tudo.

Saí de casa sem dizer nada a ninguém, já era demasiado velho para isso. Quando estava há mais de vinte e quatro horas sem me alimentar os cheiros ficavam muito mais fortes, então o dela, que era de quem eu andava à procura, ainda ficava mais. Olhei por cima de uma cerca de uma casa suspeita e foi aí que a vi. Sim, ali era mesmo a residência onde as bruxinhas todos viviam. Tinha lido a mente de Zoe, por acaso pensava tinha mesmo a esperança que ela vivesse com os pais. Encostei a cabeça à cerca e fiquei a ver o que ela estava a fazer.

Olhei para a página onde parei e uma vez que não encontrava nada de especial sobre a história dos híbridos ou o que fosse e já ia a meio do livro que era bem grande uma vez que já tinha passado por tantas gerações de Harvelle's, levantei-me e pousei o livro no chão, onde tinha estado sentada anteriormente. Havia uma pequena poça ao pé das rosas por elas terem sido regadas pela criada. Fiquei apoiada nos meus calcanhares e nem foi preciso concentrar-me muito, aquilo era canja, eu conseguia fazê-lo mesmo sem palavras nenhumas mas ás vezes gostava de me sentir normal - Potestate aqua. - murmurei baixinho e bastou repetir outra vez para que a água da poça se evaporasse mesmo à minha frente.

Segui-a com o olhar e levantei as sobrancelhas ao vê-la evaporar uma poça de água que se estendia até mim, por excesso de água de alguma criada incompetente - obrigado acabaste de secar as minhas sapatilhas - disse alto o suficiente para que ela me ouvisse e encostei-me à cerca, apoiando os braços na mesma e encostando o queixo nas minhas mãos enquanto a olhava.

Olhei para trás quando ouvi a voz do Alec e levantei-me para ficar frente a frente com ele, não fosse a cerca a separar-nos - De nada. - cruzei os braços no peito e olhei em volta para ter a certeza que não havia mais ninguém por ali, podia ser mau para ele e para mim mas algo me dizia que seria bem pior para mim - O que é que estás aqui a fazer? - perguntei olhando-o desconfiada - Estás a tornar-te demasiado perseguidor, não?

Dei a volta à cerca parando num portão e fiquei a olha-la encolhendo os ombros- já te disse que estou só a tentar divertir-me - disse-lhe - ninguém quer ver-me aborrecido - disse - principalmente, vocês, bruxas. - encostei-me ao portão - se calhar, principalmente tu - pus os braços em cima do portão.

- Porquê? - perguntei sem perceber nada do que ele estava para ali a dizer e aproximei-me do portão assim que o Alec se chegou ao mesmo - Não percebo porque é que não me deixas em paz, o que é que queres? - perguntei agarrando no meu livro de sombras e apertando-o contra o meu peito À medida que continuava a olhar para o Alec sem perceber o que ele queria de mim - As bruxas não vão gostar se te virem aqui por isso é melhor ires embora.

Quando os meus olhos foram parar ao livro que ela trazia colado assim senti o meu estômago enrolar-se e o meu coração acelerar, sim, porque ele ainda batia como era óbvio. Já devia estar à espera que ela o tivesse, era uma Harvelle, mas voltar a vê-la com ele, era uma espécie de nostalgia que sentia. - Sabes quantos anos tem esse livro de sombras? - perguntei ignorando a maior parte das suas perguntas a quais não me apetecia responder. - Mais de dois mil anos.

Estava à espera que ele mandasse uma piadinha qualquer e que sei lá, saltasse o muro para mostrar que não queria saber o que as bruxas pensavam dele mas ele não fez nada disso, falou do meu livro de sombras. Baixei o olhar para o mesmo e nem cheguei a precisar de responder porque ele fez isso por mim - Eu sei, está na minha família ao longo das gerações. A primeira Harvelle passou para a filha e foi sempre assim. - encolhi os ombros - Somos sempre mulheres. - disse sem saber muito bem porquê - Nunca houve um Harvelle e cada uma de nós tem de aumentar o livro de sombras para a geração a seguir.

-Eu sei - disse quando ela começou a falar sem parar. Não podia entrar por não ser convidado por isso apenas a fiquei a olhar - posso ver? - perguntei já que sabia que ela não me ia convidar a entrar, segundo o que tinha ouvido as bruxas não iam gostar de me ver ali, não sabia porquê, eu era tão querido para elas.

Levantei uma sobrancelha quando ele pediu para ver o meu livro de sombras e apertei-o mais contra o meu peito, abanando a cabeça - Não. - respondi automaticamente - Não o mostro a ninguém por isso não te vou abrir essa excepção. - podia ser muito ingénua como ele dizia mas apesar de precisar pouco dos feitiços que haviam ali no livro, uma vez que eu era toda sobredotada como passavam a vida a dizer-me, eu não emprestava o livro a ninguém - Além do mais, para que é que um híbrido quer um livro de sombras?

Cerrei o maxilar já menos simpático e endireitei-me enquanto a olhava, depois de me dizer que não, não estava totalmente irritado porque também não gostava de mostrar a ninguém as minhas reliquias de família. - Eu não sou um hibrido qualquer. - estava a lixar-me para o que ela sabia sobre mim e para o que não sabia - se eu não existisse, esse livro que tens na mão, não existia. - apontei para o mesmo. Não tinha sido eu a fazer os feitiços, eu era na altura um lobisomem, não era um bruxo, mas tinha sido eu a dar a ideia a Aurora, por muitos motivos que só de pensar doía. Respirei fundo e dei um passo para trás quando ouvi um barulho movendo-me para um canto, onde uma árvore me tapava.

Voltei a olhar para o livro quando ele disse que se não fosse por ele não existia. Abri a boca para perguntar o que é que ele queria dizer com isso mas não o cheguei a fazer porque ele desapareceu e não tardou a que ouvisse passos atrás de mim - O que é que estás a fazer aqui fora? - perguntou a Fiona quando chegou ao pé de mim. Ela era a bruxa mais velho do nosso coven e por isso a mais influente, depois de mim,claro.
- Vim só dar um passeio e ler. - respondi antes de lançar um último olhar para a zona para onde o Alec tinha fugido - Está tudo bem, não se preocupe. - ela assentiu com a cabeça e voltou para dentro de casa.

Revirei os olhos ao ouvir a voz da outra, as bruxas não gostavam muito de mim e eu só me conseguia perguntar porquê, eu não tinha tido culpa de agora viver para sempre, o feitiço não era suposto ter esse efeito, segundo Aurora. Ela podia ter-me enganado, mas duvidava, visto que ficou tão impressionada quanto eu quando sentiu as novas sensações. Olhei para Jo quando lhe voltei a aparecer à frente, apesar de estarmos divididos pelo portão.

Dei um salto assim que o Alec me voltou a aparecer à frente por não estar nada à espera que ele voltasse - Pensava que te tinhas ido embora. - disse levando uma das mãos ao peito, deixando a outra a segurar no livro. Semicerrei os olhos na sua direção quando me lembrei da conversa antes de sermos interrompidos - Porque é que te interessas tanto pelo meu livro? E estás sempre a dizer coisas como se me conhecesses ou à minha família?

-Não fui - disse quando a vi com a mão no peito, toda assustada pela maneira como tinha aparecido. Fiquei a olha-la enquanto ela se lembrava da conversa e revirei os olhos quando a recomeçou. - E porque é que fazes tanta pergunta? Como é que eu não haveria de conhecer o livro ou a tua família se vivi mais de dois mil anos? - respondi às suas perguntas com outras perguntas.

Olhei para ele e revirei os olhos também - És sempre assim tão simpático? - perguntei irónicamente - Além do mais, não é por viveres muitos anos que tens de conhecer a minha família. - disse sentando-me na relva ainda com o livro contra o meu peito enquanto olhava para o Alec que se encontrava do outro lado do muro - Não conheceste as famílias todas, isso é uma pergunta estúpida, Alec.

Ela devia estar à espera que a conversa demorasse visto que se sentou na relva. Olhei para o portão e abri-o, como não podia entrar apenas me sentei. - Oh meu deus - abanei a cabeça rindo-me da ingenuidade dela, já para não chamar outra coisa - és uma Harvelle. És uma bruxa, como é que eu poderia não conhecer a tua família? Posso não conhecer todas as familias, mas no que toca a bruxas. - fiz uma careta para lhe dar a noção de que conhecia. Pelo menos aquelas que eram importantes.

Olhei para ele quando abriu o portão mas uma vez que ele não podia entrar não me preocupei muito. Até porque mesmo que ele conseguisse entrar, eu tinha maneira de o impedir de fazer fosse o que fosse. Revirei os olhos quando ele voltou a falar e encolhi os ombros - Então já que conheces tão bem a minha família, podes contar-me coisas. - puxei as pernas para cima e apoiei o queixo nos joelhos - Como é que ficaste a conhecer a minha família?

Olhei o livro que ela tinha nas mãos e abanei a cabeça - posso vê-lo? - perguntei depois de me perguntar como tinha conhecido a família dela - ele é impossível de destruir e eu não sou nenhum bruxo para planear contra o mal, eu só quero vê-lo - disse impaciente, e felizmente, para ela, ocorreu-me um acordo - tu deixas-me ver e eu conto?

Juntei as sobrancelhas ainda a olhar para ele e voltei a levantar-me, caminhando até ao portão. Voltei a sentar-me frente a frente com o Alec e já com menos distância dele e estiquei o livro, ficando sempre a olhar para ele com bastante atenção, bastava um gesto de mão meu que ele voltava para ao pé de mim num abrir e fechar de olhso - Conta. - pedi cruzando os braços.

Olhei para o livro e agarrei-o abrindo-o na primeira página para ver se continuava como antes. Ele parecia mais velho, via-se que tinha andado por várias mãos - Sabes ao menos quem foi quem criou este livro? - perguntei olhando para algumas figuras que eu a tinha visto a desenhar muito antes depois de tudo o que tinha acontecido.

Olhei-o com atenção enquanto o via a folhear o livro como se o conhecesse bastante bem o que era mesmo muito estranho - Aurora Harvelle. - respondi à pergunta dele e apontei na sua direção, para o livro - No final há uma lista com o nome e a data de nascimento de todas as Harvelle's. Também tem a morte de algumas mas não de todas. - encolhi os ombros - Porquê?

Fui até à página que ela me disse e sorri olhando para ela - ela era como tu - disse sem lhe dizer grande coisa, ela podia interpretar da maneira que quisesse, estava correta de qualquer das maneiras. - Ela era uma princesa, sabias? - perguntei com um sorriso. - tens sangue azul nas tuas veias - passei-lhe o livro, porque só queria ver a parte que Aurora tinha escrito, não o das outras bruxas. - O que é que queres saber sobre a tua família?